Luís Gama, o abolicionista que imaginou um país sem cativeiros

Por Equipe Editorial

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Em 21 de junho, celebramos o aniversário de Luís Gonzaga Pinto da Gama, um nome que ressoa como sinônimo de bravura, resiliência e luta incansável pela liberdade e pela igualdade no Brasil do século XIX. Advogado, jornalista, escritor e abolicionista, Luiz Gama dedicou sua vida e obra a desafiar as injustas estruturas de uma sociedade desigual.

Nascido na cidade de Salvador (Bahia), em 1830, Luís Gama era filho de Luísa Mahin, uma africana livre e líder de revoltas (v.g., Malês e Sabinada), e de um fidalgo português. Embora tenha nascido livre por ser filho de uma mulher liberta, a vida de Luiz Gama tomou um caminho trágico logo aos seus dez anos de idade, quando foi negociado ilegalmente como escravo pelo próprio pai com o fito de saldar dívidas de jogo. Foi levado do Rio de Janeiro para São Paulo.

Entretanto, Luiz Gama não se resignou. Fugiu aos 18 anos, readquiriu judicialmente o direito de ser um homem livre. Esse episódio marcou indelevelmente o princípio de sua extraordinária trajetória e sua dedicação à causa abolicionista.

Estudou Direito sozinho, mas, mesmo com seu notório conhecimento, Luís Gama enfrentou o racismo institucional ao ser impedido de se matricular formalmente no curso de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco. Frequentou a biblioteca, debruçou-se sobre os livros e assistiu inúmeras aulas, permitindo-lhe, a aquisição de sólidos conhecimentos jurídicos. Atuou brilhantemente na qualidade de “rábula” (advogado não diplomado).

Passou a oferecer seus serviços profissionais gratuitamente e, ao longo de sua vida, obteve libertação (alforria) de mais de 500 pessoas escravizadas, número que alguns pesquisadores sugerem ser ainda maior. Teses jurídicas libertárias marcaram sua atuação profissional. Explorava as brechas legais no intuito de provar a ilegalidade da escravidão, como nos casos de pessoas traficadas após a Lei Feijó de 1831 (proibição do tráfico negreiro) ou de escravizados sem registro oficial.

Um dos casos mais emblemáticos de sua carreira foi a Questão Netto (1870), na qual Luiz Gama obteve a libertação de 217 escravizados de um fidalgo português que havia determinado sua liberdade em testamento, mas cujo pedido não fora atendido. Este caso é considerado a maior ação coletiva de libertação de escravizados nas Américas.

Luís Gama defendia seus casos ativamente e argumentava que o direito natural à liberdade deveria prevalecer sobre o direito de propriedade. Sustentava teses radicais e não hesitava em lançar mão da imprensa para pressionar magistrados e autoridades públicas, denunciando publicamente sua inépcia ou cumplicidade com o injusto sistema escravocrata. Tal enérgica atitude contestava a própria credibilidade das instituições vigentes na época. Ele diferenciava a “resistência”, que reputava uma “virtude cívica”, da “insurreição”, um “crime” pelo Código Criminal de 1830. Tal distinção era usada para ameaçar indiretamente os proprietários com a possibilidade de levantes de escravizados.

Paralelamente à atuação área jurídica, Luiz Gama foi um ativo jornalista e dinâmico escritor. Fundou o Diabo Coxo em 1864, o primeiro jornal ilustrado de São Paulo, e colaborou ativamente em outros periódicos republicanos (O Polichinelo, Cabrião, Correio Paulistano e Radical Paulistano). Ele percebia a imprensa como um instrumento poderoso para difundir ideias e conscientizar a população sobre seus direitos e a injustiça do sistema escravocrata.

Em 1859, publicou sua única obra poética, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino, reeditada e ampliada no ano de 1861. Humorístico e irônico, Luiz Gama utilizou a sátira para atacar a sociedade brasileira do século XIX. Denunciou a corrupção política, a hipocrisia e a permanência da escravidão. Foi pioneiro ao introduzir a subjetividade do autor negro na literatura brasileira.

Luís Gama morreu em 24 de agosto de 1882, vítima de diabetes, seis anos antes da promulgação da Lei Áurea que aboliu a escravidão no Brasil. Milhares de pessoas acompanharam o cortejo até o Cemitério da Consolação, fato que comprova a imensa popularidade do falecido abolicionista.

Entretanto, o legado de Luiz Gama levou mais de um século para ser reconhecido. Em 1931, ele se tornou a primeira pessoa negra a ter uma estátua na cidade de São Paulo. Em 2016, foi oficialmente reconhecido como advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em um ato simbólico inédito. Em 2018, foi declarado patrono da abolição da escravidão no Brasil (Lei nº 13.629, de 16 de janeiro de 2018) e inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria (Lei nº 13.628, de 16 de janeiro de 2018). Em 2021, a Universidade de São Paulo (USP) concedeu-lhe o título de Doutor Honoris Causa, um reconhecimento significativo da mesma instituição que o renegara em sua juventude por ser negro. Luís Gama é um exemplo a ser seguido na luta por justiça e igualdade. Sua inspiradora biografia nos incita a combater toda forma de opressão e a defender um país “sem reis e sem escravos”.


Imagem de destaque: Afrofile