Heráclito Fontoura Sobral Pinto: A Consciência Inabalável da Advocacia Brasileira

Por Equipe Editorial

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Heráclito Fontoura Sobral Pinto (Barbacena, MG, 1893 – Rio de Janeiro, RJ, 1991) foi um dos juristas mais proeminentes do Brasil no século XX. Formado em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (atual UFRJ), notabilizou-se como um obstinado defensor dos direitos humanos e da legalidade. “Senhor Justiça” e “homem que não tinha preço”, Sobral Pinto confrontou diretamente a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937–1945) e o regime militar (1964–1985), atuando bravamente na defesa das liberdades e da democracia. 

Sobral Pinto pautou-se por um rigoroso senso de dever ético-profissional. Publicamente anticomunista, patrocinou causas que ideologicamente lhe eram opostas, notavelmente a defesa de líderes da sublevação comunista de 1935. Em 1937, realizou o patrocínio gratuito de Luís Carlos Prestes e de Harry Berger (Arthur Ernest Ewert) perante o Tribunal de Segurança Nacional. Justificava sua posição no princípio agostiniano de que “[d]evemos odiar o pecado e amar o pecador”.

Durante a brutalidade do Estado Novo, Sobral Pinto notabilizou-se por um ato jurídico inusitado e brilhante: ao defender Harry Berger, sob tortura, peticionou ao juízo requerendo a aplicação do artigo 14 da Lei de Proteção aos Animais (Decreto n° 24.645 de 10 de julho de 1934); argumentava que, se a lei protegia os animais de maus-tratos, seria inaceitável que um ser humano pudesse ser submetido a condições piores.

A Luta Contra as Ditaduras e a Defesa da Legalidade 

Sobral Pinto viveu entre 1893 e 1991, presenciando todas as Constituições da República. Sua atuação mais marcante ocorreu nos períodos de exceção. 

Embora apoiador do golpe de 1964 por temor ao avanço comunista, rapidamente identificou a “postura antidemocrática do novo regime”. Foi autor da primeira manifestação pública de resistência democrática ao golpe militar, um protesto judicial contra a cassação do Secretário da Cultura de Minas, José Aparecido de Oliveira. 

Seu embate com a ditadura se intensificou após a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, que suprimiu o habeas corpus para presos políticos e ameaçou a magistratura. Foi preso aos 75 anos no dia seguinte ao anúncio do AI-5, em Goiânia. Em seu relato sobre a prisão, rebateu os militares que justificavam o regime sob o argumento de que seria uma “democracia à brasileira”, afirmando que “[à] brasileira eu conheço peru, democracia não conheço não”. 

Reagiu aos regimes por meio de seus escritos e da oratória. Suas cartas a autoridades eram um método de denúncia dos abusos e da ilegalidade dos regimes. Mesmo escrevendo com deferência, tecia críticas francas. Sobral Pinto considerava que a advocacia não é profissão de covardes. Ele se via como um “homem de direito”, defendendo a democracia em nome de um ideal maior, mesmo que seus clientes fossem seus opositores. 

Outro marco de sua luta pela legalidade ocorreu em 1955, quando setores das Forças Armadas tentaram bloquear a candidatura de Juscelino Kubitschek (JK). Sobral Pinto, embora divergisse de Kubitschek, fundou a Liga de Defesa da Legalidade em prol dos princípios democráticos. Em retribuição, JK o convidou para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). Sobral Pinto, contudo, recusou o convite, alegando que não queria que sua defesa da legalidade parecesse ter sido motivada por interesse pessoal ou troca de favores. 

Na década de 1980, foi atuante no movimento das “Diretas Já”, participando do histórico Comício da Candelária (1983/1984). Aos 90 anos, ele subiu ao palanque para lembrar o país do primeiro artigo da Constituição. 

Legado e Homenagens 

Embora fosse alegadamente uma pessoa desorganizada com dinheiro e papéis, sua integridade moral era absoluta, e frequentemente não cobrava honorários de seus clientes perseguidos (a lista chegou a mais de trezentos nomes). Seu legado é mantido vivo através de diversas homenagens. Destaque-se, a propósito, que o edifício-sede da OAB no Rio de Janeiro leva o seu nome. 

Sua vasta correspondência, contendo mais de 13 mil cartas redigidas entre 1929 e 1987, está sob a guarda do Instituto Moreira Salles (IMS). Em famoso perfil, Otto Lara Resende definiu essas cartas como “um dos pontos mais altos do Brasil”. 

Sobral Pinto faleceu em 1991, aos 98 anos. A sua figura, descrita como a de um homem “pequenino de chapéu e terno preto, sozinho na contramão dos desvios da civilização”, deve inspirar advogados e cidadãos na luta incessante pelo Estado Democrático de Direito


Imagem de destaque: AGU