35 anos da Constituição Federal do Brasil

Por Antonio Sepulveda, Carlos Bolonha & Igor De Lazari

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No dia 5 de outubro a Constituição da República Federativa do Brasil completou trinta e cinco anos. Trinta e cinco anos pode ser considerado um período de vigência curto, se comparado a outras constituições democráticas, porém é um tempo considerável se forem levadas em conta as particularidades da história constitucional e política brasileira.

A atual Constituição do Brasil é 44% mais longa do que a Constituição original de 1988 (e é a segunda mais longa do mundo, atrás apenas da Constituição da Índia). Com 131 emendas constitucionais aprovadas após sua promulgação, a Constituição brasileira mostrou-se resiliente aos desafios modernos da democracia e adaptável às dinâmicas sócio-constitucionais. Embora alguns juristas brasileiros afirmem que “não há resiliência sem lealdade”, a Constituição suportou repetidas crises políticas e econômicas, uma crise sanitária, dois impeachments e tentativas de golpe.

Em 1988, a Constituição brasileira tinha uma “cabeça de Janus”: olhava para o passado para superar mais de duas décadas de regime militar; mas também olhava para a posteridade, para inovar o sistema brasileiro e delinear um desenho de Estado moderno, liberal e democrático para o país.

Naquele momento, a intenção era conciliar os interesses dos atores da época. O processo constituinte caracterizou-se pela abertura a inúmeros grupos sociais que se mobilizaram para deixar os seus direitos refletidos no texto constitucional. Foi construído um pacto “maximizador”, segundo expressão cunhada pelo professor Oscar Vilhena ; além de inclusivo, flexível e, em alguns casos, com alta especificidade.

Foi elaborado um texto constitucional em termos de princípios, em que as necessidades e interesses de vários grupos foram refletidos no texto constitucional, apesar de serem antagônicos e conflitantes. Embora os deveres constitucionais não tenham sido destacados no texto, os direitos e garantias individuais enumerados ao longo do artigo 5º, ao longo de 79 parágrafos e localizados topograficamente após a enunciação dos Princípios Fundamentais, praticamente inauguraram o texto da Constituição e demonstraram a preocupação do constituinte em conceder-lhes a devida importância normativa.

Para o constitucionalista Clemerson Cleve a Constituição “desenhou os meios para transformar em realidade as promessas do constituinte, diminuindo assim a distância entre a normatividade e a concretude do mundo da vida”.

No dia 5 de outubro, em sessão solene do Congresso Nacional, o presidente da Mesa do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, afirmou que “mais do que um texto normativo, a Constituição é uma carta de promessas dirigida à população brasileira. Podemos dizer que a sociedade vence a cada dia desses 35 anos da nossa Constituição, que é vivida e reafirmada como norma jurídica fundamental de uma democracia sólida e amadurecida.”

Apesar de digna de elogios, a declaração merece temperamentos, pois tudo leva a crer que a vivência constitucional é algo que está longe de ser uma realidade para grande parte dos brasileiros. Segundo pesquisas sobre o tema, parece que o estado de desinformação sobre o conteúdo da Constituição prevalece sobre uma parte significativa da população. Assim, tudo indica que a maturidade e a materialização constitucional ainda são promessas que devem ser efetivamente cumpridas no longo prazo.

De qualquer forma, a Constituição Republicana representou para Geraldo Alckmin , vice-presidente do Brasil e membro da Assembleia Constituinte (após análise de mais de 60 mil sugestões), “uma nova Constituição para um novo tempo, que significava um novo pacto e um novo compromisso. Um pacto de conciliação com mais justiça e igualdade e um compromisso com a liberdade. Deste modo, o Estado Democrático de Direito foi restaurado entre nós.”

Por meio da “Constituição Cidadã”, a República Federativa Brasileira atingiu o seu maior período “de estabilidade constitucional”, depois de “uma tradição republicana de golpes, contragolpes e rupturas da legalidade constitucional” (Barroso). Diz-se até que a República Brasileira começou com um golpe.

Embora a Constituição seja entendida como uma carta de promessas por alguns estudiosos, parece que muitas delas não foram cumpridas até agora, dando origem ao que foi chamado no Brasil de “crise da (in)efetividade da Constituição” . Se, por um lado, a nossa Constituição apresenta notas de inclusão, flexibilidade e especificidade que “tendem a produzir as reais razões da durabilidade constitucional”, por outro, até hoje “não temos conhecimento popular dos direitos constitucionais, nem um sentimento de apego popular à Constituição” (Rubens Glezer ).

Nas palavras de Glezer : “não conseguimos promover uma estabilidade razoável sobre o sentido da barganha política, gerando um grau excessivo de imprevisibilidade sobre como serão resolvidos os conflitos levados ao Judiciário; o que enseja rodadas permanentes de renegociação e conflito sobre os termos da barganha política. Isso ocorre pela aplicação profundamente desigual da lei no país, bem como pela intensa insegurança jurídica, causada em parte por inconsistência no padrão decisório e em parte pela recorrência de práticas de catimba constitucional(Rubens Glezer ).

Ainda existe no país uma percepção incompleta do papel das instituições à luz da Constituição, que deriva ipso facto de uma interpretação incompleta e imatura da nossa própria Carta. Faltam-nos ainda os grandes acordos morais ou os “consensos sobrepostos” rawlseanos , necessários à sedimentação de uma “cultura constitucional” , que afeta inevitavelmente i) a própria tradição do constitucionalismo; ii) o nível de conhecimento que o povo tem da sua própria Constituição; iii) a internalização constitucional pelo povo; e iv) a compreensão do papel e das práticas de argumentação, que orientam a interação entre cidadãos e agentes públicos sobre questões e assuntos relacionados ao significado da Constituição.

Por outro lado, é inegável que a revitalização da jurisdição constitucional pelo neoconstitucionalismo também potencializou o papel dos tribunais constitucionais. A Constituição de 1988 deu ao Supremo Tribunal Federal brasileiro um “arsenal” de instrumentos úteis para a reafirmação e implementação de suas normas. Foi a partir da interpretação direta da Constituição que o Supremo Tribunal Federal nestes 35 anos instituiu a proibição do nepotismo na administração pública, autorizou investigações com células-tronco embrionárias, declarou a não recepção da Lei de Imprensa Brasileira do regime militar, reconheceu o direito às uniões homoafetivas, despenalizou o porte de drogas para uso pessoal, criminalizou práticas homofóbicas e transfóbicas, reconheceu direitos de minorias (mulheres, indígenas, negros). Dessa forma, a posteridade é desafiadora, mas o 35º aniversário da Constituição da maior democracia da América Latina inspira confiança e esperança. Tempora mutantur, nos et mutamur in illis.


Antonio Guimarães Sepúlveda
Pós-Doutorando em Direito (UERJ)

Carlos Bolonha
Doutor em Direito (PUCRJ)
Diretor da FND/UFRJ

Igor De Lazari
Doutorando em Direito (FND/UFRJ)

Publicado originalmente no blog IberICONnect.

Imagem de destaque: Senado Federal